O Trabalho de prevenção à tortura do IBAHRI no Brasil
Apesar de ser proibida pelo direito internacional, a tortura é generalizada em todo o mundo. Atos de tortura são cometidos por agentes de Estado, cujo papel é defender e aplicar a lei. Os profissionais da área jurídica são essenciais para manter o Estado de Direito e garantir que os relatos de tortura sejam investigados adequadamente. O IBAHRI tem trabalhado no Brasil desde 2010 para apoiar o país em seu compromisso de erradicar a tortura como parte de suas obrigações diante do Direito Internacional.
O Brasil é um país de renda média com aproximadamente 200 milhões de habitantes, tendo 725.000 adultos na prisão1 e 26.000 adolescentes privados de liberdade.2 O país possui um sistema de governo federativo, composto por 26 estados e um Distrito Federal. Estes estados têm autonomia orçamentária, financeira e legal, possuindo constituições estaduais, poderes legislativos e sua própria organização governamental. Embora as autoridades federais sejam competentes para legislar em questões de Direito Penal, as forças de segurança e a polícia são estaduais.
Em relação à perícia forense, no entanto, não há leis constitucionais ou federais. A investigação, a persecução e a punição pelo crime de tortura estão, via de regra, sob a jurisdição dos tribunais estaduais. Os tribunais federais só tratam de casos de tortura quando o acusado é um funcionário federal (por exemplo, um policial federal), mas, devido ao baixo número de tais funcionários, esses casos são incomuns.
Na primavera de 2018, o International Bar Association’s Human Rights Institute (Instituto de Direitos Humanos da Associação Internacional de Advogados) (IBAHRI) e a Anti-Torture Initiative (Iniciativa Antitortura) (ATI) alcançaram o marco de realizar programas adaptados em todas as cinco regiões do Brasil sobre prevenção à tortura e implementação do Protocolo de Istambul - o Manual das Nações Unidas para a Investigação e Documentação Efetiva da Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes.
No sentido horário a partir do topo:
1) Mesa Redonda: Treinamento Internacional "Formação Internacional em Investigação e Documentação da Tortura: Abordagem Teórica do Protocolo de Istambul", Rio de Janeiro (14 a 15 de maio de 2018);;
2) Foto do grupo, Delegação IBAHRI-ATI (da esquerda para a direita: Rafael Barreto, consultor local do IBAHRI; Verónica Hinestroza, advogada sênior do IBAHRI; Marina Parras, Médica; Juan Méndez, Professor e Diretor da ATI; Dr. Pau Perez, Psiquiatra e Vanessa Drummond, Diretora Adjunta de Projetos, Iniciativa Antitortura) e os parceiros locais André Luís Machado de Castro, Chefe da Defensoria Pública de São Paulo (segundo a partir da esquerda) e Ana Claudia Camuri, Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura do Brasil (segunda a partir da direita), Rio de Janeiro (maio de 2018);
3) Veronica Hinestroza, advogada sênior do IBAHRI, em entrevista com João Gaspar, Promotor de Justiça do Estado do Amazonas, no âmbito do treinamento em Manaus (junho de 2017);;
4) Marina Parras, Médica, explica evidências físicas de tortura durante um treinamento em Santa Catarina (maio de 2018)
Por meio de uma série de cursos e oficinas intensivas, as duas organizações realizaram a capacitação de profissionais de 23 dos 27 estados brasileiros. Os participantes incluíam membros da profissão jurídica (advogados, defensores públicos, juízes e promotores), serviços forenses (médicos e psicólogos) e membros dos Mecanismos Nacional e Estaduais de Prevenção à Tortura. A formação centrou-se na condução de investigações legais e médicas eficazes sobre alegações de tortura e maus-tratos, conforme estabelecido no Protocolo, bem como sobre a forma de denunciar as descobertas de tortura ao judiciário ou a outros órgãos de investigação.
IBAHRI, ATI e SIRA lançam Nota Técnica sobre quesitos padrão para investigação de tortura no Brasil
Em 14 de novembro de 2018, o Instituto de Direitos Humanos da Associação Internacional de Advogados, a Iniciativa Antitortura (ATI) e a SIRA - Rede de apoio terapêutico, jurídico e psicossocial em contextos de violência, apresentaram uma Nota Técnica a várias autoridades federais brasileiras instando a revisão, à luz dos padrões internacionais, dos quesitos para investigações sobre tortura estabelecidas por diretrizes do Ministério da Justiça.
Após dois anos de treinamentos e discussões com membros do Ministério Públicos, magistrados, advogados, defensores públicos e médicos-legistas no Brasil, as três instituições concluíram que os atuais quesitos padrão (baseadas na legislação penal dos anos 1940) representam um obstáculo à documentação e à investigação de tortura à luz das normas internacionais que vinculam o país.
A Nota Técnica aponta três questões principais em relação a estes quesitos: (i) desconsideração da tortura como um tipo penal autônomo, (ii) determinação inadequada da responsabilidade sobre a afirmação da ocorrência de tortura sobre os médicos-legistas, e (iii) obstáculos enfrentados pelas autoridades investigativas.
Assista: Apoiando Investigações Criminais e Médico-Legais sobre Alegações de Tortura
Clique abaixo para assistir a um pequeno vídeo do IBAHRI (em português), com depoimentos dos principais stakeholders do IBAHRI no Brasil, e membros de suas delegações de especialistas.
O alcance do advocacy antitortura do IBAHRI no Brasil, especificamente para o uso do Protocolo, ampliou, por meio da colaboração com stakeholders brasileiros, incluindo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) - o órgão federal independente estabelecido para monitorar as condições de onde as pessoas são privadas de sua liberdade, em conformidade com o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura (OPCAT). O Relatório Anual de 2017 do MNPCT está disponível para download em português.
A colaboração do IBAHRI com o MNPCT, como um parceiro local, fortaleceu a relação deste com os IMLs estaduais, os Ministérios Públicos, as Defensorias Públicas e os Tribunais Estaduais e Federais. Essas relações têm sido muito importantes no trabalho do MNPCT na inspeção de prisões e outros locais de privação de liberdade, bem como no incentivo ao monitoramento e implementação de suas recomendações no que tange à perícia de tortura e à adoção do Protocolo de Istambul.
Os profissionais do IBAHRI trabalham no Brasil desde 2010 e continuarão a apoiar a adoção de ferramentas e padrões internacionais para a prevenção à tortura por meio de atividades de compartilhamento de conhecimento e advocacy, bem como para a promoção de reformas legislativas e regulatórias. Abaixo estão alguns materiais adicionais produzidos pelo IBAHRI para apoiar a prevenção à tortura em todo o país.
Treinamento: Investigando e Documentando a Tortura: Abordagem Teórica do Protocolo de Istambul
O trabalho da IBAHRI - ATI nos últimos 15 meses envolveu especialistas reconhecidos internacionalmente no campo da prevenção à tortura e acesso à justiça, bem como especialistas nacionais.
Da esquerda para a direita, Marina Parras, médica; Dr. Pau Perez, psiquiatra, Rafael Barreto, consultor local do IBAHRI; O professor Juan Méndez, ex-relator da ONU sobre tortura e diretor da ATI; e Verónica Hinestroza, advogada sênior do IBAHRI. (Vanessa Drummond, diretora Adjunta da ATI; Sara López, advogada; e Rita Lamy Freund, assessora jurídica e de relações internacionais da Defensoria Pública Federal, também fizeram parte dos especialistas em treinamento do IBAHRI-ATI.)
Em maio de 2018, o professor Juan E Méndez também participou da conferência pública: “Tortura e o Protocolo de Istambul no atual contexto brasileiro, na Universidade Federal do Rio de Janeiro”.
Crédito: Hugo Luna @ FLACSO México
Inicialmente, as oficinas desenhadas para os Mecanismos Preventivos foram realizadas no escritório da ONU em Brasília, em junho de 2017, e contaram com a presença de todos os 11 membros do órgão nacional e dois representantes do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco (MEPCT-PE). Mais recentemente, com o apoio do Fundo Especial do OPCAT, foi realizado, no Rio de Janeiro, um seminário interativo de dois dias com os novos membros do MNPCT e todos os seis membros do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT-RJ).
O treinamento foi estendido a profissionais da área jurídica (advogados, defensores públicos, juízes e promotores) e a profissionais dos serviços periciais (médicos legistas e psicólogos) em dois estados, em parceria com o MNPCT. Em Manaus (região Norte), 61 participantes do Acre, Amazonas e Roraima foram recebidos na Academia de Ciências e Letras Jurídicas do Amazonas (TJAM). Em Natal (região Nordeste), 66 profissionais dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe participaram da oficina, sendo recebidos pela seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte (OAB-RN). As condições do sistema penitenciário são terríveis em ambos os estados, onde ocorreram graves rebeliões seguidas de mortes no início de 2017.
Em maio de 2018, foram organizados treinamentos sobre o Protocolo para profissionais dos estados da Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Os treinamentos, coorganizados pelo MNPCT e pela Fundação Escola da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (FESUDEPERJ), foram realizados na sede da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ) e contaram com a participação de 72 profissionais.
O programa intensivo de capacitação transnacional se encerrou em Santa Catarina no dia 22 de maio de 2018, tendo como anfitriã a Academia Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC). Durante dois dias, o treinamento qualificou 38 profissionais das áreas jurídica e da saúde dos estados de Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.
Protegendo os brasileiros contra a tortura: um manual para juízes, promotores públicos, defensores públicos e advogados - segunda edição
O IBAHRI produziu uma segunda edição do “Protegendo os Brasileiros contra a Tortura: Um Manual para Juízes, Promotores Públicos, Defensores Públicos e Advogados”.
A primeira edição do Manual foi lançada em 2011, com um total de 8.000 cópias impressas. O Manual foi utilizado em treinamentos para juízes, promotores, defensores públicos e advogados em seis estados brasileiros, em parceria com importantes instituições judiciais brasileiras.
Após o sucesso da primeira edição, esta segunda edição contém material atualizado, inclusive do Relatório do Subcomitê das Nações Unidas sobre a Tortura sobre o Brasil e a Revisão Periódica Universal do Brasil. Está disponível em Português e Inglês.
1 Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização - Junho de 2016. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional, 2017.
2 Brasil. Ministério dos Direitos Humanos – MDH. Levantamento Anual SINASE 2016. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018.